Provou-se que os Italianos Ataraxia são um grupo
de culto no nosso país. A sua música é
específica e direccionada, e a sua vastíssima
obra confere-lhes uma personalidade única, tornando-os
num ícone de referencia no circuito alternativo
mundial. Leiria teve, pois, oportunidade de ver ao vivo
uma banda que é citada como influência
por centenas de outras bandas. O concerto no Orfeão
Novo de Leiria, que marcava a quarta presença
deste colectivo em Portugal (em 1997 actuaram no antigo
Cine-Teatro de Pombal, e em 2001 em Lisboa e Porto)
tinha data única e era mais uma produção
exclusiva do Fade In – Mostra Itinerante de Música
em Leiria. Não foi, por isso, de estranhar, que
a ele viessem pessoas oriundas dos mais diversos locais
de Portugal e Espanha, e que o concerto apresentasse
lotação (diríamos até, sobrelotação...)
esgotada três semanas antes da sua data.
O concerto teve duas partes distintas. Na primeira Francesca
Nicoli (voz), Vittorio Vandelli (voz, guitarra), Giovanni
Pagliari (voz, teclas) e Riccardo Spaggiari (percussões
várias) apresentaram, pela primeira vez ao vivo,
o novo trabalho “Saphir” (décimo
quarto álbum do grupo da cintura Modena/Regia
Emilia). Sete canções que (primeiro se
estranham mas, diz-nos a experiência e disse Fernando
Pessoa, depois se entranham) revelam uma banda com um
componente cada vez mais rítmico, com trejeitos
da chanson francaise, com arabescos da música
flamenca, com um piscar de olhos à música
celta, tudo devidamente enquadrado nos tons operáticos,
ora graves ora agudos, da peculiar voz de Francesca.
Entre “Azar”, “Jardin de Lune”,
“Outremer”, “Rue Bleue”, “D’arc
et D’harp“ e “A Green For Her Voice“,
foi “The Gentle Sleep“ que fechou a primeira
parte do concerto e foi também este tema que,
pelo seu andamento em crescendo e em toada marcial,
nos ficou, à primeira, na memória.
Depois de um curto intervalo, a banda regressa ao palco
para interpretar alguns dos seus “clássicos“.
São tantos que compreendo terem deixado de fora
pérolas como “Il Bagatto”, ou “Belle
Rose Porporine”... Francesca aproveitou para fazer
um novo penteado. Está ainda mais bonita! “Arcana
Eco” e “Veules Les Roses” são
temas relativamente longos. Sem darmos por isso, parece
que começamos a voar. A viagem leva-nos entre
sentidos e emoções, e temas como “Antire”
e “Astemilusa” são episódios
(ou etapas?) dessa mesma viagem. Acordamos na força
e no arrepio de “Tu Es La Force Du Silence”
e verificamos que, afinal, estamos no mesmo lugar. E
é já agarrado com força à
cadeira que sinto dificuldades em não voar de
novo ao som de “Aperlae”. A segunda metade
do concerto termina com o fervor de uma extraordinária
“Encrucijada” que a todos deixa rendidos.
A banda sai de cena mas o público não
arreda pé. Os Ataraxia voltam e o primeiro encore
dá-se com a banda a brindar os presentes com
um português “Nossa Senhora dos Anjos”
e ainda com “Oduarpa”. Saem de novo do palco,
mas o público recusa-se a sair dos seus lugares.
Os aplausos exigem segundo encore. O grupo acede e interpreta
o bonito “La Lira d’Apollo” e, de
novo, o tal soberbo tema de “Saphir” que
tinha fechado a primeira parte: “The Gentle Sleep”.
As luzes do auditório acendem-se e a banda vê
o público que os aplaude de fronte, em pé,
e entusiasticamente. Mais palavras para quê?